Logo penso, não mantenho nada, não recordo uma palavra que tenha saído de minha boca. Porque o tempo tem passado mais do que de costume. Sabe, uma vez observei o relógio, passei horas, dias olhando aqueles ponteiros moverem-se rapidamente, lentamente até congelarem.
E aí o sufoco do deixar de ser. Deixaria talvez de existir mas não posso... os ponteiros não mudam.
Estática
Estática
Estática
Estaticamente fixada
Corria mísera de palavras, podre em sentimentos, fria ali ... Estática
Logo a pele desfarelou-se como areia, quente
Quantas vezes na vida eu fui livre para ter o luxo de ser estática. Já não importava o tamanho dos cabelos, nem a forma como a cadeira rangia ao me sentar, eu não estaria ali se...
Se eu fosse uma rosa de vida curta .. seria ao menos bela.. Seria ao menos, ela, seria.
Já que nada fazia sentido como os ponteiros do relógio, estático, me permiti a algumas propostas irrecusáveis como .. Sentar no banheiro até sentir vontade de entrar no banho, deitar na cama até sentir vontade de dormir, olhar o bolo no forno até sentir vontade de comê-lo.
E eu comeria com todo gosto do mundo de meu estômago pudesse mover-se, não daquela forma casual na qual anda por todo seu corpo como uma faca, mas naturalmente.
Poderia deixar meu cabelo crescer e cortar depois só pra ver como é ficar diferente e repetir o processo anos e anos.
E eu podia, não como as pessoas costumam normalmente fazer.. o poder, e o ser, e o ter todos esse verbos juntos.
E as horas continuam estáticas iguais, extamente a do relógio da sala, o da cozinha e o do banheiro também. Eu poderia andar de salto vermelho para parecer como as prostitutas.
Mas estando assim tão estática ninguém saberia que de nada sou feita, de nada me completo
de nada me recomponho. Seria eu assim, essa possivelmente louca.
Já basta, de bastardos e passados amarrotados no armário. Das cartas mal lidas e dos abraços no vento. já basta de correr sem achar o final e sem saber que o relógio nunca parou e somente eu, sozinha, no meu mundo me mantive estática como sempre fui.
Mas hoje me permito abrir o guarda-chuva e tirar meus fios de cabelo, um a um até que não existam mais. Posso depois disso correr na chuva sem correr o risco de me resfriar.
E aí sentar no banco e esperar o meu ônibus, àquele que é meu e só meu.
Eu sou uma mentirosa de mão cheia.
Ei, você, poderia me dar uma lembrança de quem eu sou?
É que estou a tantos dias sem comer...
Carol Mendes